Ficámos a olhar uns para os outros, atónitos, sem percebermos muito bem o que tinha acontecido
Sempre
coloquei elevado sentido de responsabilidade na minha actividade
policial, por isso, aquilo que para alguns poderia parecer uma
insignificância, para mim fazia sentido questionar, pôr em causa,
tentar entender, interferir, etc.
Uma
noite, seriam cerca das 04h da madrugada, desempenhava eu as funções
de arvorado do carro patrulha, fazia a segurança à cidade
conjuntamente com os meus colegas, motorista e tripulante, quando, ao
passarmos numa determinada rua, verifiquei que uma viatura ali
estacionada tinha o vidro da porta do lado do condutor aberto.
O
meu lado zeloso e proactivo levou-me a concluir que algo tinha de ser
feito, até porque a viatura encontrava-se em condições de
segurança muito frágeis. Desta forma, com as referências da
matrícula da viatura, com a ajuda da Central Rádio e dos recursos
informáticos ao serviço da Policia, consegui saber onde residia o
proprietário do veículo, e, animado pelo sentido do dever, no
pressuposto que este cidadão iria ficar reconhecido à Policia pela
dedicação, zelo e preocupação com o património, toquei à
campainha no andar correspondente, sem que inicialmente alguém do
outro lado respondesse.
Após
alguma insistência, finalmente, alguém, com notória voz de sono,
interroga através do intercomunicador: "Quem é?"
Respondi: "Boa noite, desculpe incomodar, é a Policia. É que o
senhor deixou a sua viatura estacionada com o vidro aberto, era só
para o informar." Ao que aquele cidadão retorquiu:
"E qual é o problema? Isto são horas de chatear as pessoas? Se
tem o vidro aberto o problema é meu…" click… (desligou o
intercomunicador).
Ficámos
a olhar uns para os outros, atónitos, sem percebermos muito bem o
que tinha acontecido. Quase automaticamente dirigimo-nos para o carro
patrulha e retomámos a rotina que nos estava incumbida. Não
esperávamos nem beijos nem abraços daquele cidadão, mas esta sua
ingratidão deixou-nos a meditar todo o resto do turno. Durante algum
tempo o silêncio que se gerou entre nós indiciava o mal-estar que
aquela situação tinha provocado. Pensei na vida, repensei, voltei a
pensar. Julguei-me um inútil, desmenti-me, repreendi-me, aplaudi-me,
confortei-me, irritei-me, acalmei-me… enfim.
Ainda
assim, até ao final do turno ainda passámos uma meia-duzia de vezes
junto àquela viatura, tentando garantir-lhe os mínimos de
segurança, e pese embora as mossas que estas lições de vida nos
provocam o sentido da responsabilidade fala mais alto, e o "bichinho"
da segurança aos outros vai-se alimentando das coisas boas que
também nos vão acontecendo. Depois deste episódio outras situações
idênticas nos aconteceram, voltámos a tocar à campainha,
felizmente com desfechos mais felizes, que nos encheram de novo o
ânimo e a dedicação à causa pública!
Pois é! Atitudes como as desse fulano, desmoralizam o sentido do dever em prol do bem público.
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