12/03/2013

Crónicas de um polícia

DNoticias.pt


Ficámos a olhar uns para os outros, atónitos, sem percebermos muito bem o que tinha acontecido


Sempre coloquei elevado sentido de responsabilidade na minha actividade policial, por isso, aquilo que para alguns poderia parecer uma insignificância, para mim fazia sentido questionar, pôr em causa, tentar entender, interferir, etc.
Uma noite, seriam cerca das 04h da madrugada, desempenhava eu as funções de arvorado do carro patrulha, fazia a segurança à cidade conjuntamente com os meus colegas, motorista e tripulante, quando, ao passarmos numa determinada rua, verifiquei que uma viatura ali estacionada tinha o vidro da porta do lado do condutor aberto.
O meu lado zeloso e proactivo levou-me a concluir que algo tinha de ser feito, até porque a viatura encontrava-se em condições de segurança muito frágeis. Desta forma, com as referências da matrícula da viatura, com a ajuda da Central Rádio e dos recursos informáticos ao serviço da Policia, consegui saber onde residia o proprietário do veículo, e, animado pelo sentido do dever, no pressuposto que este cidadão iria ficar reconhecido à Policia pela dedicação, zelo e preocupação com o património, toquei à campainha no andar correspondente, sem que inicialmente alguém do outro lado respondesse.
Após alguma insistência, finalmente, alguém, com notória voz de sono, interroga através do intercomunicador: "Quem é?"  Respondi: "Boa noite, desculpe incomodar, é a Policia. É que o senhor deixou a sua viatura estacionada com o vidro aberto, era só para o informar."  Ao que aquele cidadão retorquiu:  "E qual é o problema? Isto são horas de chatear as pessoas? Se tem o vidro aberto o problema é meu…" click… (desligou o intercomunicador).
Ficámos a olhar uns para os outros, atónitos, sem percebermos muito bem o que tinha acontecido. Quase automaticamente dirigimo-nos para o carro patrulha e retomámos a rotina que nos estava incumbida. Não esperávamos nem beijos nem abraços daquele cidadão, mas esta sua ingratidão deixou-nos a meditar todo o resto do turno. Durante algum tempo o silêncio que se gerou entre nós indiciava o mal-estar que aquela situação tinha provocado. Pensei na vida, repensei, voltei a pensar. Julguei-me um inútil, desmenti-me, repreendi-me, aplaudi-me, confortei-me, irritei-me, acalmei-me… enfim.
Ainda assim, até ao final do turno ainda passámos uma meia-duzia de vezes junto àquela viatura, tentando garantir-lhe os mínimos de segurança, e pese embora as mossas que estas lições de vida nos provocam o sentido da responsabilidade fala mais alto, e o "bichinho" da segurança aos outros vai-se alimentando das coisas boas que também nos vão acontecendo. Depois deste episódio outras situações idênticas nos aconteceram, voltámos a tocar à campainha, felizmente com desfechos mais felizes, que nos encheram de novo o ânimo e a dedicação à causa pública!

1 comentário:

  1. Pois é! Atitudes como as desse fulano, desmoralizam o sentido do dever em prol do bem público.

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