09/10/2011

Polícias suspeitos de armadilha para prender inocente

Agente da PSP e colega suspeitos de forjar provas que levaram à detenção por tentativa de homicídio de vizinho do primeiro. Inocente esteve cinco meses na cadeia.

Dois tiros de pistola quase à queima-roupa, na luta corpo a corpo à porta do prédio, por milagre não acertaram e mataram Luís Maria, o agente que ali vive, no Cacém. É a versão do polícia, corroborada pelo colega da PSP António Nereu, testemunha do homicídio tentado e que ajudou a deter o agressor Mário Brites, na noite de 30 de Abril. Este tinha com Luís Maria, seu vizinho, quezílias antigas por causa do condomínio. E passou na cadeia os últimos cinco meses. Até que a Polícia Judiciária foi descobrir que está inocente.
Outros vizinhos, que assistiram pelas janelas a tudo, contaram mais tarde na Secção de Homicídios da PJ de Lisboa que não foi disparado um único tiro. As perícias dos investigadores no local levam à mesma conclusão – não há quaisquer marcas de disparos. Há fortes suspeitas de que tudo foi encenado pelos dois agentes da PSP.
Terão simulado o crime para servir uma vingança pessoal do agente Luís Maria – que se terá servido da profissão para meter o vizinho na cadeia, onde se não fosse a PJ arriscava passar os próximos 16 anos por homicídio qualificado na forma tentada.
Além de ter várias testemunhas que não viram nem ouviram tiros, a PJ encontrou incongruências até nos depoimentos dos polícias. Há pormenores em que não batem certo um com o outro. E só horas depois do falso tiroteio os agentes da PSP encontraram no chão a cápsula de uma bala – que, não tendo havido tiros, só pode ter sido plantada no local. Quanto à pistola do crime, adaptada a calibre 6,35 mm e ilegal, também só horas depois foi encontrada, debaixo de um carro.
Tudo isto sem que a Judiciária fosse sequer informada. Não requisitaram perícias no local e só várias horas depois a PSP telefonou a avisar do que ali se passara.
O processo chegou à PJ mais de um mês depois e a verdade veio ao de cima. As portas do Estabelecimento Prisional de Lisboa voltaram na última sexta-feira a abrir-se para Mário Brites, 41 anos. A ordem de libertação imediata, assinada pela juíza do Tribunal de Sintra, chegou aos serviços prisionais mal a magistrada se apercebeu do grave erro judicial.
FLAGRANTE DELITO DISPENSOU PJ DE IR AO LOCAL
A PSP, que acorreu em força ao local, dispensou a presença dos investigadores de prevenção na Secção de Homicídios da PJ e de peritos da Polícia Científica. A PJ só foi contactada horas mais tarde, sob pretexto de que já tinham detido o suspeito em flagrante. Os agentes é que o entregaram ao tribunal, que decidiu pela prisão preventiva. E só depois, quando a PJ teve acesso ao processo, desmontou a versão dos polícias, concluindo ter havido simulação de crime.
TUDO O QUE O AGENTE DESCREVEU NO AUTO
No auto de detenção ao vizinho assinado pelo agente Luís Maria, a que o ‘CM’ teve acesso, o polícia começa por descrever os motivos da ira de Mário Brites contra si: "Vendeu um imóvel no prédio que administro. Restou uma dívida e foi-lhe apreendido, por penhora, o veículo e o vencimento." "Ligou para o meu telemóvel, ameaçando-me: ‘Vou-lhe dar três tiros na tola com a 6.35 ou à porta do prédio ou à porta da esquadra." Depois, o agente Maria passa à noite do crime: "Hoje, pelas 21h05, recebi um telefonema de um vizinho a avisar-me que [Mário Brites] estava a fazer--me uma espera desde as três da tarde. Ao acercar-me da porta do prédio, e já com a testemunha António Nereu [PSP] presente, quando estava a um metro, metro e meio do suspeito, com um gesto brusco ele introduziu a mão direita no bolso das calças, de onde retirou a pistola, apontando-a na minha direcção. Foi possível desferir-lhe uma estalada no rosto, agarrando a arma, vindo a efectivar dois disparos para o ar. O suspeito, agarrando-me pelo pescoço, fez com que perdesse o equilíbrio e caíssemos no solo."
QUATRO FILHOS MENORES
Montador de pneus por conta de outrem, Mário Brites perdeu o emprego e principal sustento da família no dia em que entrou injustamente na cadeia, a 30 de Abril. Passou cinco meses em prisão preventiva no Estabelecimento Prisional de Lisboa, fortemente indiciado pelo Ministério Público de Sintra por homicídio qualificado, na forma tentada, com base nas informações prestadas pela PSP – através dos agentes Luís Maria, que é simultaneamente queixoso, e António Nereu, que testemunhou o suposto crime. Aos 41 anos, Mário Brites viu-se impedido de sustentar os quatro filhos menores durante todo este tempo – até que o erro foi reparado na sexta-feira, com a ordem de libertação. Agora, através do seu advogado, José Biscaia, Mário Brites pondera pedir uma indemnização ao Estado.
DIREITO DE RESPOSTA
PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA
Luís Filipe dos Prazeres Maria, tendo sido visado na notícia publicada na Edição nº 11.809, página 1, 4 e 5, vem, ao abrigo do disposto nos artigos 24º a 27º da Lei nº 2/99, de 13 de Janeiro, exercer o seu direito de resposta, a cuja publicação requer seja dado o mesmo relevo, nos termos seguintes:
O signatário foi, nesta data, confrontado com a notícia com "honras" de primeira página e desenvolvimento nas páginas 4 e 5 da edição nº 11.809 do jornal Correio da Manhã intitulada "Vingança de PSP leva inocente à prisão – Armadilha de dois polícias indicia homem por tentativa de homicídio. Esteve cinco meses na cadeia" e, nas páginas interiores, "Polícias suspeitos de armadilha para prender inocente", notícia esta com títulos a duas cores, acompanhada de foto do signatário com grande destaque e de fotos de peças extraídas de processo pendente. Tal notícia e respectivos elementos de ilustração são repetidos no site do jornal e, bem assim noutros meios de comunicação social, designadamente na TVI e na SIC.
Tratando-se de processo em fase de inquérito é evidente a violação de segredo de justiça, em mais um dos infelizmente muitos episódios de atropelo à Constituição e à Lei efectuados a coberto do segredo profissional dos jornalistas, segredo esse que, aliás, parece ser o único respeitado em Portugal. Evidente é, igualmente, a violação do direito à imagem e ao bom nome dos cidadãos, concretamente do signatário que, aliás, não é arguido no processo em referência, mas sim vítima. Em face do que se recorrerá aos meios próprios, nas instâncias competentes, visando o sancionamento dos comportamentos exuberantemente atentatórios de dois pilares essenciais do que ainda resta do Estado de Direito: a presunção de inocência (em função da qual também existe o segredo de justiça) e o direito ao bom nome.
Luís Filipe dos Prazeres Maria

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