06/04/2010

SINISTRALIDADE


Uma tese de mestrado inovadora foi o ponto de partida para desconstruirmos a sinistralidade rodoviária em Portugal. As conclusões voltam a colocar ênfase numa necessidade: sermos todos mais prudentes quando circulamos na estrada


A ligação entre as mortes rodoviárias, o desrespeito pelo código da estrada e a variável género pode ser feita por uma via: «Quando se cruzam as causas que estiveram na origem dos acidentes». Quem o diz é João Santos Faria, Major da GNR e autor de uma tese de mestrado sobre mortalidade rodoviária. O estudo, dividido em duas partes, faz uma abordagem sóciodemográfica do problema, analisando a evolução da sinistralidade e mortalidade rodoviária na última década. Em seguida, particulariza-a, cingindo-se apenas aos acidentes mortais que ocorreram em Portugal Continental no ano de 2007.
GRUPOS DE RISCO
Cruzando todas as variáveis, ficámos a saber que mais de 90% dos acidentes rodoviários estiveram directamente relacionados com o factor humano. Estes, na sua maioria, ocorreram no período de fim-de-semana (sexta, sábado, domingo e segunda-feira), com maior índice de mortalidade entre as 00h00 e as 06h00, e tiveram como causas principais o excesso de velocidade, o desrespeito pelas regras do Código da Estrada, a distracção do condutor e o excesso de álcool. Lisboa/Vale do Tejo, Centro e Norte foram as regiões do País mais afectadas, mas o maior número de mortes por cada 100 acidentes com vítimas foi registado no Alentejo (6,0) e no Algarve (3,7). O acidentado mortal médio era do sexo masculino e tinha entre 15 e 29 anos, dados que permitiram a identificação de um dos principais grupos de risco: adolescentes, jovens e recém-chegados à vida adulta - «mortes fracturantes da sociedade» e a situação mais preocupante para João Santos Faria.
MAIS EDUCAÇÃOLicenciado em Sociologia pelo ISCTE e habituado a lidar com situações destas há muitos anos, fruto das responsabilidades que tinha na extinta Brigada de Trânsito da GNR, o Major Santos Faria defende uma intervenção mais eficaz junto dos mais jovens. Um grupo que, em conjunto com os idosos, tende a ser, de forma contínua, o mais afectado pela sinistralidade rodoviária. «É necessário apostar cada vez mais na educação rodoviária, na mudança de comportamentos ao volante e na educação para a cidadania», refere, como uma das formas de levar as pessoas a adoptar atitudes e comportamentos mais seguros. «Nós não podemos construir um modelo e dizer que os condutores portugueses são todos iguais mas, identificados os grupos de risco, podemos actuar de maneira a reduzir este flagelo». Ainda assim, por aquilo que pôde presenciar e pelos dados que recolheu, João Santos Faria reconhece que «continua a haver muita imprudência, insensatez e desconhecimento quanto às condições de segurança e à forma como os condutores portugueses devem conduzir e comportar-se em ambiente rodoviário».
João Santos Faria valoriza as campanhas de prevenção mas acredita que a educação rodoviária nas escolas pode ser determinante

CONCLUSÕESNo tratamento da informação, dados que foram recolhidos junto da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR), do Instituto Nacional de Estatística (INE) e dos núcleos de investigação criminal de acidentes rodoviários da GNR, foi possível identificar determinados comportamentos de risco. Milhares de páginas que, em conjunto, serviram para colocar na montra pública as fragilidades do sistema mas também tudo o que progrediu ao longo da última década.
A melhorar, o número de mortes provocadas pela não utilização do cinto de segurança (27%) , de condutores sem habilitação para conduzir (13,2%), de peões que morrem fora das localidades (39,9%), de despistes em recta devido ao excesso de velocidade (52,8%) e de colisões em curva originadas por tentativas de ultrapassagem (30,3%) - tudo percentagens referentes a 2007. A juntar a estes dados alarmantes está ainda a conclusão de que 30% do total de veículos envolvidos nos acidentes mortais tinham mais de 12 anos de antiguidade. Situações que mereceram o comentário de Hélder Pedro e de José Manuel Trigoso, responsáveis pela Associação Automóvel de Portugal (ACAP) e pela Prevenção Rodoviária Portuguesa (PRP), respectivamente.
Hélder Pedro referiu que «esta é uma conclusão natural, já que os automóveis antigos dispõem de menos dispositivos de segurança activa e passiva do que aqueles que são hoje comercializados». E aproveita a ocasião para reforçar a validade dos programas de abate, de maneira a combater a percentagem de veículos envelhecidos: 41% do parque automóvel português tem mais de 10 anos, a que se juntam outros 34% que se encontram entre os cinco e os 10 anos de idade.
Na opinião de Hélder Pedro, da ACAP, «a carga fiscal portuguesa condiciona a compra de carros novos»
Para José Manuel Trigoso, «a não utilização do cinto de segurança é um fenómeno que tem vindo a ser reduzido ao longo dos anos», mas o dirigente reconhece que a sua utilização nos bancos da retaguarda é menor do que nos bancos dianteiros. Nada que encubra o grande ponto positivo desta década e que é sempre bom recordar: um decréscimo sem precedentes de todos os indicadores da sinistralidade rodoviária.

A não utilização do cinto de segurança continua a ser uma das principais causas de morte nos acidentes em Portugal
Artigo publicado na Revista Turbo Nº 342 | Março de 2010

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