10/02/2010

Os Sindicatos de Polícia e os seus novos desafios

A conquista do direito à liberdade sindical na Polícia de Segurança Pública (PSP) foi uma luta longa e dura, feita de coragem e persistência. Até então assente numa estrutura orgânica militarizada, o Comando Geral da PSP não admitia se quer ouvir falar em associações sindicais. Em 1981 numa entrevista ao jornal “O País”, o General Almeida Bruno, Comandante-geral da PSP, afirmava: “quando me falam de Sindicatos de Polícia, digo que Sindicato já existe e que o Comandante-geral da PSP é o Presidente (...) sou contra o Sindicato...”, referia ainda “Numa organização como a PSP, que está perfeitamente hierarquizada e em que há uma abertura de baixo para cima e de cima para baixo (...) não pode haver sindicatos...” e exemplifica “E se tiver problemas da sua vida privada, ele (elemento da PSP) pode vir de Bragança no seu carro ou no comboio, a este meu gabinete e falar comigo[1].
Foi neste contexto hostil, quer por parte das chefias policiais, quer mesmo, por parte do Governo da época, que o movimento sindical na PSP foi evoluindo. Um dos acontecimentos mais decisivos, e com maior impacto na opinião pública, foi o célebre “secos e molhados”. Tudo começou na Voz do Operário, em 21 de Abril de 1989, onde para além da presença de muitos polícias estavam os Secretários Gerais da U.G.T e C.G.T.P.-I.N. Após ter terminado o encontro seguiu-se, como planeado, o desfile até às imediações do Ministério da Administração Interna, no Terreiro do Paço. No local encontravam-se já três companhias do Corpo de Intervenção (CI) da PSP, após se terem recusado a dispersar o CI carregou sobre os seus colegas que ordeiramente se manifestavam. A repressão violenta e a prisão de alguns polícias revoltaram as centrais sindicais e a própria opinião pública. Após estes acontecimentos começaram a surgir, por parte dos partidos políticos com assento parlamentar, propostas visando a criação de associações sindicais.
A luta pelo reconhecimento do sindicalismo na Polícia veio culminar, anos mais tarde, com a aprovação da Lei n.º 14/2002, de 19 de Fevereiro, que passou a regular o exercício da liberdade sindical. As associações sindicais passam então a usufruir de instrumentos legais que antes não tinham. Esta lei vem trazer novos desafios aos sindicatos: o direito de negociação colectiva e de participação vem exigir destes um maior esforço do aquele que até então lhes tinha sido exigido. A luta já não é assim a do reconhecimento e aceitação da liberdade sindical (esta foi conseguida), ela passa a ter de ser muito mais vasta, exigindo estruturas altamente profissionalizadas, com recursos humanos bem preparados e meios financeiros e materiais à altura dos novos desafios. Neste campo, os sindicatos ainda estão longe do ideal.
As exigências são de facto enormes, sobretudo se tivermos ainda em conta que a PSP continua a apresentar demasiadas falhas. Destas, pode-se destacar-se, a formação actualmente ministrada (que ocorre apenas aquando da entrada na instituição policial, ou aquando da entrada para uma das diferentes áreas de especialização existentes), manifestamente insuficiente e incapaz de dotar o efectivo da PSP de saberes técnico-cintíficos e socioculturais adequados às exigências actuais. A estrutura demasiado centralizada e fechada da PSP, para além de relegar a aposta numa formação contínua para segundo plano, é também responsável pelo crescente isolamento desta em relação à sociedade que a rodeia. Neste contexto, as associações sindicais podem vir a ter um papel extremamente importante a desempenhar. Com estruturas mais abertas e flexíveis, estas estão em melhores condições para levar acabo aquilo que a PSP não consegue (ou não quer) fazer.
Novos desafios se abrem assim às associações sindicais, exigindo novas orientações, novos rumos. Deste modo, elas não poderão continuar demasiado fechadas sobre si próprias, nem canalizarem as suas energias apenas para a organização de manifestações (até porque a segurança é hoje uma área cada vez mais sensível e a banalização deste tipo de actividades tenderá a retirar capacidade reivindicativa), o seu papel terá de ser bastante mais diversificado e inovador. As associações sindicais de polícia apresentam os requisitos necessários para se transformarem num elo privilegiado de ligação entre a PSP e a sociedade, permitindo deste modo, aumentar a interacção entre Polícia e cidadãos, o que inevitavelmente se traduzirá no desenvolvimento de uma maior confiança mútua.
O caminho a seguir pelas associações sindicais de polícia poderá determinar a Polícia que teremos nos próximos anos, mas para isso terão elas próprias que tomar consciência da necessidade de uma sólida formação dos seus recursos humanos. Só assim estarão criadas as condições para responder aos novos desafios que a área da segurança nos tem vindo a colocar neste princípio de século.
Delegação da Covilhã/Castelo Branco do SPP-PSP
Leonel Silva

[1] Retirado do livro a História da Polícia em Portugal (Formas de Justiça e Policiamento), (2000), da autoria de Domingos Vaz Chaves, pp. 256-257, edição do autor.

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